me apresento assim: nua.
pra você nada é mais importante do que ver o que existe. do que ver o real. a realidade te dá mais satisfação do que o imaginário. e a realidade, com todos os seus defeitos, me dá mais vontade.
- tive algumas com nariz grande, meio torto.
- torto só o nariz? conheço outras coisas tortas, não tão comuns.
- tipo?
- ah, sei lá... acho que a pior de todas as coisas tortas é a personalidade.
- explica.
- explico. é gente dentro de gente, e gente com orgulho dessa gente dentro dela. é gente que não quer amadurecer. é gente que gosta de falar sem sentido.
- ah. mas você não faz isso?
- claro que faço. ou claro que fiz.
- sei.
- última vez foi semana passada, acho.
- uhum.
- é. mas, sabe? sei que foi desnecessário.
- sabe?
- sei. mas quero tanto rever o que é meu. o que tem sentimento junto. o que não é só, sei lá... um baralho...
- baralho?
- é. sabe? conheço gente que acha isso importante. e respeito... mas baralho, pra mim, é papel impresso. se tiver alguma história, aí já é outra coisa.
- ah tá. que nem aquele papel e foto que você guarda? a caixa vermelha? as flores secas?
- deveria era ter guardado mais. tantas lembranças na cabeça... mas gosto dessas coisinhas materiais. o papel e a foto, por exemplo. pensei em rasgar, tacar fogo, jogar fora... não consegui. foi tão importante pra mim. a caixa... o que tinha dentro, tanto faz... mas a caixa guardava toda a esperança que ela teve, sabe? e as flores. poxa... que gesto amável dar flores.
- é... flor é um treco maluco.
- eu bem disse isso já. uma pessoa, amiga... conhecida, na real... me disse que meu apelido é lírio.
- ah é?
- é. tem um significado aí. depois que eu soube... dei uma vez pra alguém. nem foi um lírio-flor. um lírio real, eu digo. foi um origami. mas esse, pode ser que exista para sempre.
- é... se elas guardaram o que você deu pra elas. assim como guardou o que elas deram pra você.
- o que elas me deram, só eu sei. o que eu comentei com você é muito pouco.
- e não busca mais nenhuma de novo?
- não. gosto das memórias boas que tenho delas.
- são únicas e muito minhas. tão minhas que posso jogar tudo fora. elas ainda vão ser minhas.
Um comentário:
Colecinar lembranças é uma prática prazerosa que dói e vicia.
E não há abstinência mais cruel do que se permitir esquecer.
Gostei de tua narrativa: subjetiva, intimista e envolvente.
Beijos.
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